Uma música, antes de revelar sua beleza, foi composta por pequenas notas ouvidas entre acertos e erros de um compositor. Este blog traduz algumas "notas" ouvidas e discutidas na disciplina: "Tendências contemporâneas de currículo" ministrada pela professora Rita Stano da UNIFEI. Como eterno professor-compositor, entre acertos e erros tento compor "músicas" através de "pensamentos e reflexões".

segunda-feira, 30 de abril de 2012


Aproximação ao Conceito de Currículo


Alunos: Lucas de Paulo Lameu 
      Tadeu Samuel Pereira 

  • O currículo é um conceito (significação) de uso relativamente recente entre nós. 
  •  A prática referente ao currículo é uma realidade prévia muito bem estabelecida através de comportamentos didáticos políticos, administrativos, econômicos, etc., atrás dos quais se encobrem muitos pressupostos, teorias parciais, esquemas de racionalidade, crenças, valores, etc., que condicionam a teorização sobre o currículo.
  • A seguir temos algumas características mais evidentes das práticas vigentes que se desenvolvem em torno da realização prática de currículos:

- De acordo com Grundy (1987), o currículo não é um conceito, mas uma construção cultural.
- Rule (1973) apresenta alguns grupos de significados para o currículo: 
a) concepção de currículo como experiência, o currículo como guia da experiência que o aluno obtém na escola, como conjunto de responsabilidades da escola para promover uma série de experiências;
b) outras definições: o currículo como definição de conteúdos da educação, como planos ou propostas, especificação de objetivos, reflexo de herança cultural, como mudança de conduta, programa da escola eu contém conteúdos e atividades, soma de aprendizagens ou resultados, ou todas as experiências que a criança pode obter.
  • Schubert (1986) traz algumas imagens do currículo: 
a) o currículo como conjunto de conhecimentos ou matérias a serem superadas pelo aluno dentro um ciclo; 
b) Currículo como programa de atividades planejadas; 
c) Currículo como resultados pretendidos de aprendizagem; 
d) Currículo como concretização do plano reprodutor para a escola de determinada sociedade; 
e) Currículo como experiência recriada nos alunos; 
f) Currículo como tarefa e habilidades a serem dominadas; 
g) Currículo como programa que proporciona conteúdos e valores para que os alunos melhorem a sociedade.
  • O currículo pode ser analisado a partir de cinco âmbitos formalmente diferenciados: 
1) O ponto de vista sobre sua função social com ponte entre a sociedade e a escola; 
2) Projeto ou plano educativo, pretenso, ou real, composto de diferentes aspectos, experiências, conteúdos, etc; 
3) Como expressão formal e material desse projeto que deve apresentar, sob determinado formato, seus conteúdos, suas orientações e suas sequências para abordá-lo etc.; 
4) Como campo prático: estudar a prática a partir de uma perspectiva de conteúdo, estudar como território de intersecção de práticas diversas e sustentar o discurso sobre a interação entre a teoria e a prática em educação; 
5) Referem-se a ele os que exercem um tipo de atividade discursiva acadêmica e pesquisadora sobre todos estes temas.
  • Quando se define currículo está se descrevendo a concretização das funções da própria escola e a forma particular de enfocá-las num momento histórico e social determinado, para um nível ou modalidade de educação, numa trama institucional, etc.
  • O currículo é uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente é chamado de ensino.
  • A teorização sobre o currículo deve ocupar-se necessariamente das condições de realização do mesmo, da reflexão sobre a ação educativa nas instituições escolares.
  • Para Lundgren (1981) o currículo é o que tem atrás de toda educação, transformando suas metas básicas em estratégias de ensino.
  • Os currículos são a expressão do equilíbrio de interesses e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado momento, enquanto que através deles se realizam os fins da educação no ensino escolarizado.
  • Todas as finalidades que se atribuem e são destinadas implícita ou explicitamente à instituição escolar, de socialização, de formação, de segregação ou de integração social, etc., acabam necessariamente tendo um reflexo nos objetivos que orientam todo o currículo;
  • O currículo é um elemento nuclear de referência para analisar o que a escola é de fato como instituição cultural e na hora de elaborar um projeto alternativo de instituição.
  • Por diversos tipos de condicionamentos, os currículos tendem a recolher toda a complexa gama de pretensões educativas para os alunos de um determinado nível de modalidade de educação.
  • A Nova Sociologia da Educação centrou seu interesse em analisar como as funções de seleção e de organização social da escola, que subjazem nos currículos, se realizam através das condições nas quais seu desenvolvimento ocorre. Young (1980) afirma que o currículo é o mecanismo através do qual o conhecimento é distribuído socialmente. Whitty (1985) traz o currículo como uma invenção social que reflete escolhas sociais conscientes e inconscientes, que concordam com os valores e as crenças dos grupos dominantes na sociedade. E Bernstein (1980) afirma que “O currículo define o que se considera conhecimento válido, as formas pedagógicas, o que se pondera como a transmissão válida do mesmo, e a avaliação define o que se considera como realização válida de tal conhecimento” (p. 47).
  • O currículo faz parte de múltiplos tipos que não podem reduzir-se unicamente à prática pedagógica de ensino, as ações são de ordem política, administrativa, de supervisão, de produção e meios, de criação intelectual, de avaliação, etc. King (1986) sugere o currículo dado pelos próprios contextos em que se insere: um contexto de aula, outro contexto pessoal e social, outro contexto histórico e um contexto político. Assim, uma visão tecnicista para definição do currículo nunca poderá explicar a realidade dos fenômenos curriculares.
  • Convém distinguir oito subsistemas ou âmbitos nos quais se expressam práticas relacionadas com o currículo:

1) O âmbito da atividade político-administrativa: a administração educativa regula o currículo do sistema educativo, sob diferentes esquemas de intervenção política e dentro de um campo com maiores ou mais reduzidas margens de autonomia.
2) O subsistema de participação e de controle: em todo sistema educativo, a elaboração e a concretização do currículo, assim como o controle de sua realização, estão a cargo de determinadas instâncias com competências mais ou menos definidas, que variam de acordo com o campo jurídico, com a tradição administrativa e democrática de cada contexto.
3) A ordenação do sistema educativo: a própria estrutura de níveis, ciclos educativos, modalidades ou especialidades paralelas ordenam o sistema educativo, marcando, em linhas gerais, de forma muito precisa, as mudanças de progressão dos alunos pelo mesmo.
4)  O sistema de produção de meios: os currículos se baseiam em materiais didáticos diversos, entre nós quase que exclusivamente nos livros-texto, que são verdadeiros agentes de elaboração e concretização do currículo.
5)  Os âmbitos de criação culturais, científicos, etc.: na medida em que o currículo é uma seleção de cultura, os fenômenos que afetam as instâncias de criação e difusão do saber têm uma incidência na seleção curricular.
6) Subsistema técnico-pedagógico: formadores, especialistas e pesquisadores em educação: os sistemas de formação de professorado, os grupos de especialistas, pesquisadores e peritos em educação criam linguagens, tradições, conceitualizações, sistematizam informações e conhecimentos sobre a realidade educativa, propõem modelos de entendê-la, sugerem esquemas de ordenar a prática relacionada com o currículo.
7)  O subsistema de inovação: as estratégias de inovação curricular e os projetos relacionando inovações de currículos e aperfeiçoamento de professores têm sido uma forma frequente e eficaz de fazer as reformas curriculares
8)  O subsistema prático-pedagógico: é o chamado ensino como processo no qual se comunicam e se fazem realidade as propostas curriculares, condicionadas pelo campo institucional organizativo imediato e pelas influências dos subsistemas anteriores.
  • O currículo é o cruzamento de práticas diferentes e se converte em configurador, por sua vez, de tudo o que podemos denominar como prática pedagógica nas aulas e nas escolas.
  •  A maioria das práticas pedagógicas são multicontextualizadas, inclusive tudo que se refere à avaliação. O currículo se traduz em atividades e adquire significados concretos através delas.
  • Quase se pode dizer que o currículo vem a ser um conjunto temático abordável interdisciplinarmente, que serve de núcleo de aproximação para outros muitos conhecimentos e contribuições sobre a educação.
  • O currículo é um dos conceitos mais potentes, estrategicamente falando, para analisar como a prática se sustente e se expressa de uma forma peculiar dentro de um contexto escolar.
  • Logo, sobre o currículo poderíamos dizer, em uma síntese:

1)   Currículo é a expressão da função socializadora da escola;
2)  É um instrumento que cria toda uma gama de usos, de modo que é elemento imprescindível para compreender o que costumamos chamar de prática pedagógica;
3) Está estreitamente relacionado com o conteúdo da profissionalização dos docentes. O que se entende por bom professor e as funções que se pede que desenvolva dependem da variação nos conteúdos, finalidades e mecanismos de desenvolvimento curricular.
4)  No currículo se entrecruzam componentes e determinações muito diversas: pedagógicas, políticas, práticas administrativas, produtivas de diversos materiais, de controle sobre o sistema escolar, de inovação pedagógica, etc.
5)   O currículo com tudo o que implica quanto a seus conteúdos e formas de desenvolvê-los, é um ponto central de referência na melhora da qualidade do ensino, na mudança das condições da prática, no aperfeiçoamento dos professores, na renovação da instituição escolar em geral e nos projetos de inovação dos centros escolares.

As razões de um aparente desinteresse

  • O currículo nasce como gestão administrativa, ao contrário de derivações práticas e intelectuais que ocorrem em determinadas áreas do conhecimento, ou seja, surge da necessidade da administração do sistema escolar.
  • Apesar da importância deste campo de estudo, constata-se uma certa despreocupação da conceitualização de currículo com nosso pensamento pedagógico mais próximo obedecendo  a outros pressupostos e necessidades. Isso pode ter duas explicações:
a) A pedagogia acadêmica com conteúdos, práticas e interesses não serviram de ferramenta crítica para o projeto educativo realizado na escola, sendo que elas funcionavam em torno de um projeto de cultura muito pouco discutido.
b) Currículo tem sido um campo de decisões do político e do administrativo, cuja reforma e elaboração foram feitos fora do ambiente escolar e à margem dos professores, fazendo com que as decisões básicas sobre currículo sejam competência somente da “burocracia administrativa”. No entanto, nos sistemas escolares organizados, a intervenção da burocracia no aparato curricular é inevitável, pois o currículo é parte da estrutura escolar. O problema reside em analisar e contrabalancear os diferentes efeitos das diferentes formas de realizar essa intervenção. O próprio professorado é de certa forma condizente ao legado da tradição não-democrática no currículo, porque está socializado profissionalmente neste esquema. Tais constatações evidenciam que no discurso curricular tenha sempre uma vertente política, e que a teorização deve ser avaliada em função do papel que cumpre em cada contexto em que se produz a prática curricular.  
  • Currículo é uma opção cultural e torna-se parte da cultura-conteúdo do sistema educativo. É um projeto seletivo de cultura administrativamente condicionado pelo cultural, social e político, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada.
  • Tal definição sugere 3 grandes grupos de problemas que são os que  definitivamente concretizam a realidade curricular como cultura da escola.

1)  A aprendizagem dos alunos está organizada em função de um projeto cultural para a escola, para um nível ou modalidade, ou seja, o currículo restringe-se como seleção de conteúdos codificados de forma singular.
2) Este projeto cultural se realiza dentro de condicionantes político-administrativos no qual a escola está inserida e que modelam o currículo. O currículo na prática não tem valor a não ser em função das condições reais nas quais se desenvolve.
3)  O projeto cultural, origem de todo currículo, está condicionado ainda a uma realidade mais ampla, que vem a ser a estrutura de pressupostos, idéias e valores que apóiam, justificam e explicam a seleção cultural (filosofia curricular de cada contexto).
  • A realidade curricular é composta por três vertentes fundamentais: seleção cultural, condições institucionais e concepções curriculares. Tal dinâmica curricular não se produz no vazio, mas envolta no campo político e cultural geral de cada contexto.
  • O primeiro destinatário do currículo é o professorado e não os alunos em si como se eles fossem “consumir” o currículo. O professor é um dos agentes transformadores do primeiro projeto cultural. Para Lundgren (1983), “O conteúdo de nossos pensamentos reflete nosso contexto social e cultural (...) Nossas reconstruções subjetivas cognitivas sobre o mundo relacionado conosco intervém em nossas ações, e, dessa forma, mudam as condições objetivas do contexto social e cultural”. 
  • O currículo ainda se restringe ao academicismo, ou seja, como uma soma de exigências que defende valores culturais que, em geral, não tem correspondência com a qualidade real da cultura distribuída nas aulas.
  • Uma teoria curricular não pode ser indiferente às complexas determinações de que é objeto a prática pedagógica, porque esse currículo, antes de ser idealizado por qualquer teorização, se constitui em torno de problemas reais que se dão nas escolas, que os professores tem, que afetam os alunos e sociedade em geral. Para isso a teoria deve servir de instrumento de análise da prática e apoiar a reflexão crítica que torne consciente a forma como as condições presentes levam à falta de autonomia.
  • Para que o currículo contribua para  o interesse emancipatório, deve ser entendido como práxis, opção que segundo Grundy (1987), apóia nos seguintes princípios:

a)   Prática sustentada pela reflexão, pois se constrói através de uma interação entre o refletir e o atuar, dentro de um processo circular que compreende o planejamento, a ação e avaliação, tudo integrado por uma espiral de pesquisa-ação.
b)  O processo de construção do currículo não deveria se separar do processo de realização das condições concretas dentro das quais se desenvolve.
c)  Práxis não pode se referir exclusivamente a problemas de aprendizagem, pois ela opera em um mundo de interações, que é o mundo social e cultural.
d)    O conteúdo do currículo é uma construção social. Através da aprendizagem do currículo, os alunos se tornam ativos participantes da elaboração de seu próprio saber.
e)   A práxis assume o processo de criação de significado como construção social, não carente de conflitos, pois se descobre que este significado acaba sendo imposto pelo que tem mais poder para controlar o currículo.
  • O docente eficaz é o que sabe discernir, não o que possui técnicas de pretensa validade para situações indistintas e complexas.
  • A perspectiva prática sobre o currículo resgata o âmbito de estudo o como se realiza de fato, o que acontece quando está se desenvolvendo. As condições e a dinâmica de classe, as demais influências de qualquer agente material, social etc. impõe ou dão valor real ao projeto cultural que se pretende como currículo da escola. Nem as intenções nem a prática são, de modo separado, a realidade, mas ambas em interação.
  • Sendo expressão da relação teoria-prática em nível social e cultural, o currículo molda a própria relação na prática educativa concreta e é, por sua vez afetado por ela mesma.
  • A mudança e melhoria da qualidade do ensino não estão relacionadas apenas à atualização de conhecimentos que o currículo compreende, ajustados à evolução da sociedade e da cultura, mas também como instrumento para incidir na regulação da ação, transformar a prática dos professores e liberar as margens da atuação profissional.

Apontamento pessoal 

  O texto começa definindo o currículo de uma forma ampla valendo-se dos principais tópicos: pressupostos implícitos ao currículo, recorte cultural, experiencia dos alunos, concretização de funções que acontecem num determinado contexto escolar, currículo como prática pedagógica. Dessa forma, o autor confere uma grande importância ao real entendimento da abrangência do currículo no cotidiano escolar. 
   A segunda parte do texto se direciona para as razões do aparente desinteresse associado ao campo do currículo no cotidiano escolar. São descritas inúmeras dificuldades que as escolas, professores  e o próprio sistema educacional, com suas pretensões e políticas públicas, encontram e que dificultam o entendimento de currículo conforme definido inicialmente. O texto converge tais dificuldades principalmente para a figura do professor que está socializado profissionalmente na tradição não-democrática do currículo. Além do currículo se preocupar em atualizar conhecimentos, estruturas curriculares e pedagógicas em função das mudanças sócio-politico-culturais, carece ter em mente que qualquer melhoria precisa considerar a práxis do currículo pelo professor. 

Um comentário:

  1. Veja comentário que fiz no blog de Lucas. Acrescento aqui como é importante uma boa leitura...torna o texto original ainda melhor. Parabéns!

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